Recentemente, a Turquia despertou
a atenção mundial graças às suas produções audiovisuais que triunfaram na América
Latina e mudaram o rumo da indústria televisiva para sempre. Em 2017, o primeiro Emmy recebido por
uma telenovela, Amor Eterno (Kara Sevda) - foto acima - produção veiculada em mais de 60
países, confirmou uma verdade inegável: esta nação, há décadas produzindo ficção,
estava destinada ao êxito.
Antes do boom de 2014 na América Latina, a Turquia comercializava suas produções
a 50 países, principalmente orientais. Atualmente, vendem a 142 nações, o que a
torna o segundo maior exportador mundial de televisão, abaixo, apenas, dos
Estados Unidos. A Forbes Turkey contabilizou recentemente 85 companhias produtoras
no país, as quais realizam um investimento mínimo de 200 mil dólares por episódio,
e, com a mundialização de sua indústria, os recursos e esforços têm aumentado para
que continuem melhorando.
As ficções turcas adentraram a América Latina pela porta dos fundos e em
absoluta discrição. O continente se encontrava em meio a moda das “narconovelas”,
além das histórias com personagens emocionalmente abalados. Isso acabou distanciando
o espectador comum e assíduo, que deixou de se emocionar com essas narrativas e
as abandonou. A América Latina havia renegado o melodrama que defendeu por
décadas.
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Fatmagul: A Força do Amor |
Neste contexto, estrearam no Chile “Las Mil
y Una Noches” e “¿Qué Culpa Tiene Fatmagül?”, as produções mais representativas do
fenômeno. Apresentadas sem maiores expectativas, escalaram rapidamente nos
rankings de programas mais vistos em diferentes países, deixando as ficções locais em um segundo plano e evidenciando uma crise
generalizada no continente.
Com a posterior entrada de mais histórias feitas na Turquia, se estabeleceu
uma tendência comum em todas elas. Costumam apresentar conflitos tradicionais
de heróis e heroínas, amores impossíveis, mulheres que se esforçam para erguer sua
voz e um enfoque conservador das relações humanas. Isso sem contar que possuem
uma caprichada produção, trilhas sonoras inéditas e atraentes cenários naturais,
o que também contribuiu para uma explosão turística de latino-americanos que visitam
o país para conhecer os lugares nos quais foram gravadas cenas destas produções.
A simplicidade dos relatos não é necessariamente um defeito, já que podem
falar de problemas sociais. Na história de Fatmagül se aborda a violência
sexual e a busca de justiça de uma mulher que se encontra sozinha em sua luta. O
drama contou com o valor agregado de mostrar personagens com uma comunicação não
verbal, através de olhares, gestos faciais e pequenas ações em cena que aprofundaram
os níveis de entendimento da história. O silêncio teve igual importância narrativa
que a palavra, situação que difere de telenovelas latino-americanas nas quais
muitos personagens costumam dizer ou até mesmo gritar a todo momento.
O fato de a Turquia ter se tornado um grande provedor televisivo tem escrito
um cenário difícil na indústria latino-americana. E, como efeito, as maiores potências
tem sido as mais afetadas. O México, com a Televisa à frente, tem perdido a liderança
do produto sobre o qual levantou o seu império: a telenovela. O prestigioso
crítico mexicano Álvaro Cueva é severo em seu diagnóstico: “As telenovelas
turcas são hoje como eram as mexicanas de antes. Como? Produtos cem por cento
familiares, que contam histórias de amor bem básicas, mas cheias de ensinamentos
morais e de valores.
É sabido que a indústria televisiva do México se encontra em crise há vários
anos e Cueva reconhece o impacto estrangeiro: “Para onde foram aqueles romances
lendários que tornaram o México famoso nos cinco continentes, como Os Ricos Também
Choram, Só Você, Carrossel, Coração Selvagem e Marimar? Sabe para onde? Para
países como a Turquia”.
Argentina, nação que se destacou durante décadas por sua criatividade e
transgressões memoráveis, tem agora em suas telas mais telenovelas estrangeiras
do que nacionais. Histórias como Muñeca Brava, Chiquititas e Los Roldán foram desbancadas
por ficções turcas.
Em uma indústria pequena como a do Peru, o impacto também tem sido notório.
Somente a América Televisión produz ficções. O restante tem programado
telenovelas estrangeiras e as histórias turcas ocupam os postos mais competitivos
do horário nobre, com melhores resultados do que os obtidos por suas antecessoras
peruanas.
No Uruguai, costumam ser transmitidas no horário nobre. Segundo o jornal local,
El País, têm gerado um sucesso inusitado junto ao público masculino, o qual compõe
até 74 % da audiência.
E o Chile, onde se começou a exibir estas produções, tem sido considerado
um “termômetro” para saber seu futuro desempenho na América Latina, pois
acredita-se que se uma história obtém bons resultados no Chile, terá possibilidade
de replicá-los para o restante do continente. Em vários países sul-americanos, até
mesmo crianças têm sido batizadas com nomes de personagens turcos. “Elif”,
“Onur” e “Kerim” são os preferidos e, obviamente, esta tendência se associa ao
triunfo de tais produções.
Ainda como exemplo, podemos citar Angola e Moçambique, países africanos que nesta última década ganharam canais exclusivos de telenovelas estrangeiras dubladas em português, as quais, a princípio, eram majoritariamente de origem mexicana, venezuelana ou colombianas, mas, que, agora, têm sido substituídas por dramas turcos, que, por sua vez, caíram no gosto do público e, inclusive, abriram espaço para o convívio e a vinda de atores da Turquia a estes países.
O Brasil também começou a fazer parte deste fenômeno e, desde 2015, tem como canal representante do gênero a Band, que até então exibiu com grande repercussão títulos como Mil e Uma Noites, Fatmagul: A Força do Amor, Sila: Prisioneira do Amor, Ezel e Amor Proibido. E, como já anunciado pelo próprio canal, para os próximos meses já prepara a exibição de novos folhetins.
Colaboração: Víctor Falcón Castro (El Comercio) - La (Otra) Revolución Turca (Adaptado)