quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A telenovela peruana - Parte 2


O fator político

Deve-se mencionar, em primeiro lugar, o governo ditatorial do general Velasco Alvarado e o efeito direto de freio que teve sobre a produção de telenovelas. Entre os anos de 1966 e 1971, quando o Peru era uma jovem indústria de ficção crescente e prometedora, a Panamericana Televisión, da família Delgado Parker, conduzia uma iniciativa que girava em torno da produção e exportação de telenovelas para o mercado latino-americano.

Telenovelas como Simplemente María, Natacha, El adorable profesor Aldao, Nino e Los hermanos Coraje, estas duas últimas co-produzidas no exterior, davam conta de una indústria que competia com a mexicana pela conquista do mercado latino-americano. Mas, a corrida para alcançar esse mercado acabou quando o governo militar, que expropriou os canais de televisão no início dos anos 70, tornando-os estatais, pareceu ver na produção de telenovelas uma espécie de novo entorpecimento do povo.

Nos anos 80, quando o controle dos meios voltou a seus proprietários, graças ao governo de Fernando Belaunde Terry, o mercado hispânico já estava coberto por indústrias fortalecidas, que levavam uma vantagem de dez anos na construção de seus produtos, seus canais de distribuição e comercialização e seu posicionamento na mente do público.

Foram anos para a indústria peruana recomeçar, não havia infraestrutura, não haviam técnicos, nem pessoal capacitado para realizar telenovelas, mas sim, havia muito engenho, vontade e, mais que tudo, desejo de recuperar o terreno perdido. Enquanto aqui o retrocesso foi evidente, mercados como o mexicano, que se consolidava no gosto latino, venezuelano, que traspassava há anos suas fronteiras e argentino, ajudado pelos Delgado Parker, lideravam as programações do continente. Quanto ao brasileiro não lhe faltava muito tempo para chegar aos lares com sua Escrava Isaura e seus dias de baile. Mesmo assim, ainda nos anos 80, a produção começou a tentar refazer o caminho.

Em 1982, Panamericana decide apostar novamente pela produção seriada feita em casa, seriados e minisséries foram os primeiros lançamentos, para dar a vez, em 1983, a La pensión, com Pilar Brescia, a garota da moda, na época, e o brasileiro Lauro Corona. No ano seguinte, Panamericana decide, finalmente, realizar uma telenovela já em nova etapa: Páginas de la vida, igualmente com Pilar Brescia, com a qual recomeçou a fábrica de produção nacional.

Já em 1984, a telenovela no Peru havia se reatualizado com a colaboração de reconhecidos jovens cineastas, que, convocados por Genaro Delgado Parker, iniciaram os primeiros programas de ficção da nova década. José Carlos Huayhuaca, Augusto Tamayo, Luis Llosa, entre outros, foram os convocados pelo broadcaster nacional.

Luis Llosa decide iniciar a produção com uma singular proposta: realizar uma série policial no país. Assim, Panamericana solta as rédeas ao que seriam duas reconhecidas séries, uma não teve a sorte de tomar o gosto do público e findou em sua primeira temporada; a segunda marcou não somente os telespectadores, mas também seu elenco que até hoje é lembrado por sua atuação.

Gamboa foi a série que marcou época, Eduardo Cesti, seu protagonista, acompanhado pelo tenente Maldonado, interpretado por Jorge García Bustamante, foram as estrelas da TV nacional, isso porque a série mostrava o que as séries policiais americanas tinham: perseguições com carros em alta velocidade, batidas, muito movimento, uma pitada de sexo, belas mulheres e uma linguagem cinematográfica que rapidamente foi identificada pelo público que, sem dúvida, gostava de ver seus atores em diversas situações pelas ruas.

Mas a produção não se deteve aí e a mesma equipe de Llosa, sob a denominação Cinetel, decidiu produzir, junto a Pantel, a telenovela Carmín, a qual nada mais era que o velho roteiro de El adorable profesor Aldao que recebeu doses de juventude, externas e muita música. O êxito foi impressionante e não havia casa que não sintonizasse a telenovela às sete da noite.

Após o êxito arrasador desta telenovela em diversos mercados da América e Europa, o canal produziu telenovelas que não foram tão chamativas para o público: En familia; La casa de enfrente; La doña e Zaña, logo, algumas propostas em outros canais como No hay porque llorar, foram as mais destacadas naqueles anos.

Em 1986, nascia, sem dúvida, uma proposta mais efetiva para a telenovela peruana: Proa (Productores Asociados) que, em sociedade com CineSetenta, reconhecida casa realizadora de comerciais, e o canal 9, deu um toque de renovação à telinha. Bajo tu piel e Malahierba foram seus mais celebrados êxitos.

No entanto, o fenômeno do terrorismo e a crise política e econômica da segunda metade dos anos 80 consumiu o país, época mais escura de sua história. O Peru tornou-se um país em guerra, submerso na hiper-inflação e distante economicamente da comunidade internacional, um país afetado em todos os setores produtivos, inclusive o da televisão, e com ela a produção de material de ficção. Ainda assim, houve produção, mas em um volume que refletia a crise política e econômica do país.

A terceira vez em que o fator político influiu claramente na produção televisiva se deu mais recentemente. Ao longo dos anos 90, a produção de minisséries e telenovelas foi muito ativa, sobretudo pela diversidade de empresas que participavam. América Televisión, Panamericana Televisión, Frecuencia Latina e ATV apostaram pela emissão de produtos locais, produzidos por elas mesmas ou por empresas como Iguana Producciones e MGZ.

Um amplo repertório de minisséries permitiu revitalizar os músculos da indústria, com títulos como El ángel vengador; El negociador; Regresa; La Perricholi; Tatán; La captura del siglo e Polvo para tiburones. A produção de telenovelas foi ainda mais prolífica: Los de arriba y los de abajo; Los unos y los otros; Tribus de la calle; Lluvia de arena; Todo se compra, todo se vende; Malicia; Obsesión; Escándalo; La noche; Torbellino e remakes como Leonela; Luz María; Isabella; Natacha; Gorrión e Nino.

Mas esta renovada onda de produções rapidamente se viu abalada quando a queda da ditadura trouxe à luz seus vínculos com os donos e diretores de alguns canais, empresas que eram as principais produtoras, compradoras e exibidoras de produção nacional. Os meios se viram envolvidos em processos judiciais ou de reestruturação, em alguns casos. A recessão chegou à televisão. Os canais deixaram de produzir e também de comprar ficção. Como efeito, as empresas que os abasteciam com séries e telenovelas ficaram prejudicadas já que não tinham compradores. A produção audiovisual voltou a enfraquecer em decorrência do fator político.

Estes três momentos citados dão conta da relação direta que o fator político tem sobre o interesse de gerar e fazer crescer o índice de produção de ficção televisiva. Certamente é um fator que não se pode controlar, mas é importante entender seu peso e seu papel. Para que a indústria cresça em passos constantes e sem tantas pausas, ou sensação frequente de ter que recomeçar em cada década, é necessário que a classe política esteja a seu favor.
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