O romancista Jorge Amado (1912-2001), esporadicamente exerceu a atividade de tradutor, sendo o responsável pela divulgação de vários escritores hispânicos no mercado editorial brasileiro nos anos quarenta, como o equatoriano Jorge Icaza, o uruguaio Enrique Amorim, o peruano Ciro Alegría e o venezuelano Rómulo Gallegos, de quem traduziu o romance Dona Bárbara.
O romancista venezuelano Rómulo Gallegos nasceu em Caracas (1884-1969), tornou-se conhecido ao publicar Os Aventureiros (1913), livro de contos, gênero muito limitado para as suas intenções. Dividido entre as duas correntes literárias da época, o Americanismo de crítica social e o Modernismo refinado e exótico da primeira fase.
Tendo vivido muitos anos na Espanha, onde publicou vários de seus livros. Foi ministro da Educação (1936-1937) e presidente da República, eleito em 1948. Deposto por um golpe de estado, exilou-se no México. Em 1958, volta para a Venezuela, aclamado herói nacional e o maior escritor do país. Em sua obra, procurou assimilar as peculiaridades da Venezuela, do espanhol falado pelo povo à natureza tropical e as tradições indígenas seu tema principal é o conflito entre civilização e a barbárie.
Ficou célebre internacionalmente com o romance, Dona Bárbara, publicado em Barcelona em 1929 e que dois anos depois era traduzido ao inglês. Dividido em três partes, as duas primeiras contendo treze capítulos e a última quinze, distribuídos em 173 páginas, o romance mescla elementos líricos, costumbristas, psicológicos e sociológicos. Constitui uma das obras mais importantes da literatura latino-americana. A presença de símbolos em sua narrativa telúrica, numa recriação em profundidade: o personagem Santos Luzardo, volta ao lhano para vencer superstições e crendices e o espírito do mal, representado pela “devoradora de homens”, Dona Bárbara.
O romance Dona Bárbara apresenta como cenário as savanas de Apure, localizadas na região de Arauca, Venezuela, cuja produção econômica se baseia na pecuária. Essa narrativa retrata a natureza fundamentada nos ideais positivistas e de pressupostos deterministas. Desse modo, o progresso e civilização são contemplados como instrumentos de redenção para o ambiente e para os homens. Em Dona Bárbara, tanto a natureza quanto os homens são representados como bárbaros, sendo que a natureza abrange uma dinâmica significativa dentro do fio condutor da obra, pois o espaço narrativo é um ambiente que determina e, ao mesmo tempo, conduz as ações das personagens.
Dona Bárbara, uma descendente de índios, é personagem-título do livro. Ela é descrita como uma mulher cruel, não quis filhos para não dar prova do domínio do homem sobre a mulher. Seu principal opositor é Santos Luzardo, retratado no romance como um civilizador.
A ideia de tradução desta obra ocorreu após uma viagem que Jorge Amado empreendeu pela América Latina iniciada em 1937. A viagem despertou em Jorge a vontade de divulgar algumas obras hispânicas em solo brasileiro.
Talvez o seu interesse em traduzir Dona Bárbara, resida nas coincidências temáticas e nos propósitos literários entre a referida obra e as suas: denúncia social, renovação da linguagem literária, valorização das tradições culturais e perspectivas ideológicas. Após alguns anos a procura de um editor que pudesse publicar sua tradução, finalmente foi encontrar no Estado do Paraná, uma pequena editora, Guaíra, que se interessou e publicou Dona Bárbara em 1939 e outros títulos recomendados por Jorge, formando uma coleção denominada “Estante Americana”.
A partir dessa tradução, Jorge Amado passa a ser o divulgador de obras de autores latino-americanos no Brasil e na década de 1940, época em que se liam, no país, praticamente só obras de origem francesa. A literatura hispânica era desconhecida pela maioria dos leitores e, para muitos, não era possível ler obras em espanhol.
Diz-se inclusive, que o ex-presidente venezuelano tinha grande desgosto dessa edição brasileira. Ela não teria sido autorizada, logicamente não teria recebido os direitos autorais, ele a considerava uma das piores traduções feitas no Brasil, de escritores hispano-americanos. Por este motivo, Jorge Amado reeditou o livro, pela editora Record, em 1974, revisando e readaptando a tradução, além das notas esclarecedoras de rodapé.
Dona Bárbara é um romance que ainda corresponde à atualidade, ou como diz o texto em uma de suas abas: “Dona Bárbara é um livro de vida longa e fama altíssima. É justamente um clássico, isso é, um livro que espelha a verdade sobre a alma e os anseios do povo e da terra que lhe deu origem e, como tal, está destinada a atravessar os tempos como um registro fiel, acentuado pela arte e pela emoção compreensiva, da gente humilde e sofrida que habita os imensos lhanos da Venezuela”.
Texto de Gilfrancisco, jornalista, professor universitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHBA). Adaptado.
Saiba mais em: Do original ao remake: Dona Bárbara
Saiba mais em: Do original ao remake: Dona Bárbara
Nenhum comentário:
Postar um comentário