sexta-feira, 9 de julho de 2010

Os modismos e sotaques da telenovela latina

Há alguns anos, a indústria do cinema e, sobretudo, da televisão de países de língua espanhola, começou a produzir conteúdos visando o mercado mundial; muitas destas produções conseguiram superar as barreiras dos sotaques devido à sua genialidade, como El chavo del ocho, o Chaves, no Brasil, outras tiveram que neutralizar seu espanhol para que tais produções fossem aceitas em outros países.

No mundo da dramaturgia, os “criadores” do espanhol neutro - aquele que não permite a identificação da origem do falante - em um primeiro momento, foram os diretores de dublagens sob as indicações de produtores que analisavam o público de diferentes regiões. O surgimento de públicos mais exigentes e o avanço tecnológico foram moldando o sotaque neutro que, após ser introduzido nos processos de dublagem, logo foi incorporado nos processos de produção e gravação originais, evitando-se, assim, maiores gastos no orçamento.

A Telemundo, é tida como a maior representante do uso do espanhol neutro padronizado em suas produções, mas o emprego deste recurso vai muito além da neutralidade idiomática em si, abrange também cenografias e costumes locais. Em suas telenovelas a rede de origem portorriquenha, com estações nos Estados Unidos, faz com que seus atores utilizem o sotaque neutro em suas falas e gravem em lugares não especificados.

Com isso, se nota que a Telemundo, em seu intuito de desbancar a Univisión, primeira rede hispânica nos Estados Unidos, se preocupa unicamente com os falantes do espanhol deste país de origem maioritariamente mexicana, como se os falantes de outras origens aí residentes, ou mesmo do restante da América e da Espanha, não lhes importasse em nada.

Para citar alguns exemplos, as telenovelas produzidas na Colômbia pela Telemundo compartilham uma horripilante característica: o grandíssimo esforço da equipe de produção em negar e obliterar toda e qualquer referência cultural e geográfica do país, como se a Colômbia não existisse. Para o espectador crítico é muito estranho ver as placas dos carros na conhecida cor colombiana sem um importantíssimo detalhe: a proveniência da cidade, seja ela Bogotá, La Calera, Manizales, Cali ou Medellín.

As paisagens e a arquitetura também são obviamente colombianas, porém, jamais alguém se refere ao nome do povoado ou cidade onde se desenvolve a trama. Nenhum personagem diz que vai à Bogotá, por exemplo, mas sim “à capital” ou “à cidade”. As músicas predominantes nestas produções são notoriamente mexicanas: corridos, rancheiras e nortenhas. Praticamente não há outro tipo de festa que não seja ao estilo mariachi; as bebidas preferidas são a tequila e a margarita; quanto ao vestuário quase todos usam jeans, botas e acessórios de couro, sem contar o uso dos cavalos.

Teoricamente, a eliminação dos localismos surgiu para que os espectadores de qualquer lugar se sentissem identificados com as personagens, devido ao fato de não se situar a trama e a ação em uma realidade que fosse alheia para eles. Mas, na prática, o que ocorre, especificamente com a Telemundo, é que ninguém se sente identificado porque as telenovelas são ambientadas em todos os lugares e, ao mesmo tempo, em nenhum.

De fato, para a maioria dos latinos, essa prática é condenável, já que estes preferem telenovelas que situam as tramas onde quer que seja e deixam seus atores falarem à sua maneira para que, desse modo, atuem melhor. Essa é a graça da telenovela; as diferenças do idioma e modismos mostram a extraordinária riqueza e variedade de cada país e os sotaques acrescentam um toque doce, gracioso, exótico e atraente à produção. As telenovelas com aspecto mais localista possuem, ainda, a vantagem de mostrar países longínquos tão atrativos que faz com que o espectador sinta vontade de visitá-los e ver a realidade distinta assim como as imagina.

Desse modo muito telenoveleiros pedem à Telemundo que deixe o sotaque em paz e faça com que as tramas de suas telenovelas transcorram em lugares reais, não em capitais de nomes desconhecidos. Aos espectadores a padronização e a neutralidade não lhes interessa, inclusive lhes agrada o fato de haver pronúncias diferentes, isso faz com que sintam-se mais importantes, e que saibam até onde pode chegar o número de pessoas que conseguem compreender em seu idioma: o espanhol.
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