quarta-feira, 14 de julho de 2010

A falta de heroísmo na telenovela moderna

Atualmente, a palavra heroi é usada de forma sarcástica em se tratando de telenovelas, já que este tipo de indivíduo se distanciou de suas características desde que o anti-heroi o destronou, além das telenovelas, também no cinema e na televisão, de forma geral. Usando-se como desculpa o realismo, a mesma telenovela passou a deixar a desejar no aspecto heroico, visto que o pouco entusiasmo ofuscou seu heroísmo.

Mesmo que a definição do termo seja ampla, na imaginação coletiva considera-se o heroi como um ser excepcional, capaz de realizar feitos que outros não conseguem. De fato, para os gregos, seus paladinos tinham sangue divino e os herois bíblicos mantinham uma relação estreita com a divindade.

No entanto, este semideus também é humano e sofre falhas trágicas que o torna vulnerável. À parte desta característica, um heroi tende a cumprir com três requisitos: ter qualidades extraordinárias, cumprir tarefas positivas para sua comunidade ou entorno, e estar engajado em uma missão vital.

Desse modo se manifesta a ideia de heroi como alguém cuja bondade e cavalheirismo o colocam em cima dos meros mortais, mas cujos deveres o obrigam a servir ao próximo e a Deus. Essa imagem seguiria se estendendo na ficção inclusive em histórias desde o Super-homem até o Chapolin Colorado. Nem mesmo a literatura pôde desbancar o heroi, visto que essa busca por um propósito vital em muito se parece com a busca heroica do heroi clássico.

Curiosamente, a telenovela não trouxe consigo uma grande colaboração para a criação de herois, talvez por estar direcionada a uma audiência feminina. Ainda assim, à parte de exemplos isolados de telenovelas com protagonistas varões fortes como em Zorro: A espada e a rosa, Paixão ou Coração selvagem, a importância recai na heroína e é ela a heroica, a sacrificada e o foco da história. Os protagonistas masculinos passam a ser objetos da busca da heroína, sua recompensa ou castigo. O machismo latino permite que perdoem suas ofensas e erros, visto que desse modo ressaltam as virtudes da protagonista.

Pelo bem do roteiro, o protagonista pode maltratar e humilhar a heroína, já que esta, geralmente, é de classe inferior; fazê-la vítima inocente de sua vingança; fazê-la pagar por suas ofensas reais ou falsas; e inclusive violá-la. A importância e mérito da protagonista reside em sua capacidade de aguentar e perdoar. Na telenovela moderna, o anti-heroísmo continua reinando, já que quem realmente deve mostrar heroísmo é sua parceira. Aí está o caso de Seu Fernando que, por ambição e falta de escrúpulos, manipula e abusa da pobre Letícia Padilla.

Também nas telenovelas brasileiras, o amor pode ser visto como uma força negativa. Em Esperança, o amor por Maria obriga Tony a fugir para o Brasil para salvar sua vida. Em Xica da Silva, o Comendador perde sua posição de classe e de dever, e, inclusive seu posto, devido à sua paixão por uma escrava.

Na mexicana Las vías del amor, Gabriel deve deixar sua carreira eclesiástica logo após quebrar seu voto de castidade. Anos mais tarde, seu amor por diferentes mulheres interrompe suas missões heroicas, como a busca de seu irmão perdido e sua luta por ajudar as crianças de rua.

Na venezuelana Joana, a virgem, Maurício busca, desesperadamente, a mulher que leva em seu útero o único filho que a ciência e a vida poderiam lhe dar, mas, ao encontrar essa desconhecida que acidentalmente foi fertilizada com seus espermatozoides, seu objetivo se enfraquece. Tanto sua missão quanto seu filho ficam adiados pelo amor que Maurício chega a sentir por Joana.

Até certo ponto é compreensível que os protagonistas masculinos das telenovelas não correspondam ao padrão do heroi clássico. O eixo da telenovela é o amor, o propósito do casal central é romper com os obstáculos que os separam. Contraditoriamente, o amor e a paixão nunca foram o objetivo de uma busca heroica. Ao contrário, a paixão escurece o entendimento do heroi, o debilita e o distancia de sua meta.
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