sábado, 24 de julho de 2010

A herança brasileira persiste na telenovela chilena

Durante décadas existiu-se uma insólita afinidade entre duas extremidades da televisão latino-americana: a brasileira e a chilena.

Nos anos sessenta, no Chile, a televisão era considerada um luxo que o país não podia se dar, ou se dava-se, devia ser discreto, sem fins de lucro, mas, possivelmente, de cultura e educação. A televisão não era um meio massivo, menos de 20% da população contava com o aparelho, e a principiante indústria estava formada por pessoas com mais vontades do que conhecimentos.

Nesse ambiente chegou Herval Rossano, ator e diretor da televisão brasileira que, casado com uma chilena, decidiu se estabelecer em Santiago, capital do Chile. Rossano provinha de um país com uma televisão em pleno desenvolvimento. Enquanto em Santiago somente existia o canal da Universidad Católica, modesto e experimental, no Brasil a TV Tupi já era um conglomerado em ascensão, a primeira estação televisiva da América do Sul, extremamente comercial, com um dono na categoria de magnata, e onde já era desenvolvido o gênero das telenovelas.

Herval Rossano trabalhou nos primeiros programas de ficção local junto de Rafael Benavante, Hugo Miller e Raúl Ruíz; realizou a série Antología del cuento, Los días jóvenes e El litre, produções feitas ao vivo, das quais não restam registros. Era a pré-história da televisão chilena e as primeiras tentativas de se fazer ficção nacional.

O brasileiro retornou ao Brasil nos anos 70, e aqui continuou uma carreira de êxito como diretor de A escrava Isaura, uma das telenovela mais vendidas, produzida em 1976; Dona Xepa e Cabocla, entre outras produções. Em 1981, retornou ao Chile para criar uma área dramática no canal estatal. A rede nacional acolheu com êxito La madrastra, no canal 13, e decidiu importar Rossano para começar a produzir suas próprias telenovelas, em uma época em que a televisão chilena já havia se transformado em comercial, e mais de 60% da população contava com um televisor em seu lar.

A ficção local retomava então suas influências brasileiras. Em sua segunda passada pelo Chile, Rossano dirigiu um telenovela e meia. A primeira foi La gran mentira, baseada no roteiro de Lauro César Muniz, e El juego de la vida, rescrita pela dramaturga chilena María Elena Gertner, com base no roteiro de Benedito Ruy Barbosa.

Após alguns conflitos com o diretor do canal estatal, que censurou um capítulo da telenovela, Rossano deixou seu trabalho no Chile em 1983 e retornou ao Brasil, deixando nas mãos de Ricardo Vicuña o que ficava por finalizar El juego de la vida.

Rossano se foi, mas deixou em Santiago um sistema de trabalho que se utiliza até hoje na manufatura do folhetim nacional: o método e a maneira de organizar os planos de produção. Porém, o diretor brasileiro não seria a única via de influência do país, durante os anos seguintes grande parte das histórias das telenovelas chilenas foram adaptadas de roteiros brasileiros: desde Ángel mau, de Cassiano Gabus Mendes, exibida no Brasil em 1976, adaptada no Chile em 1987 pelo Canal 13, até Transas e caretas, que em 1992 refletiu na área dramática da TVN.

Um caso particular foi a adaptação de O bem amado, de Dias Gomes, transmitida no Brasil em 1973, a primeira a cores, com mais de 40 atores e música de Toquinho. O bem amado foi um estrondoso êxito no Brasil. No Chile foi transmitida no final dos anos setenta com pouca repercussão. Vinte anos depois, em 1996, a TVN comprou o roteiro de O bem amado, o adaptou e rebatizou a telenovela de Sucupira.

A influência das telenovelas brasileiras sobre as chilenas refletiu, ainda, na maneira de os chilenos verem a eles mesmos através das histórias, e no modo de desenvolver temáticas que estimulem o debate dentro de casa, ou seja, o merchandising social, que introduziu a realidade política e social na trama dessas produções.
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