domingo, 11 de julho de 2010

TV Brasil apresenta La ciénaga

A TV Brasil exibe neste domingo, 11 de julho, às 23h00, o filme argentino La ciénaga (O pântano). Produzido em 2001 por Lita Stantic, com a direção e roteiro de Lucrecia Martel, o longa-metragem oferece um relato irreal sobre a decadência da classe média argentina e a dissolução do modelo familiar tradicional.

Durante 90 minutos, La ciénaga revela um retrato vergonhoso da classe média provinciana argentina, observada desde dois ângulos: a classe média alta, representada por Mecha; e a classe média baixa, encarnada pela resignada Tali. A ironia e o lado cruel de Lucrecia Martel fizeram deste um filme tão interessante quanto polêmico.

La ciénaga mostra, com uma surpreendente honestidade, os vícios que, com o tempo, foram alimentados pela sociedade argentina, desde o racismo até a diferença de classes, junto ao clássico afrontamento entre portenhos (os nascidos em Buenos Aires) e provincianos (habitantes de outras regiões que não a capital), alimentados por rancores, inveja e desconfianças mútuas, à espera de uma boa desculpa para se manifestarem.

A história transcorre no noroeste argentino durante o mês de fevereiro, época em que vários fatores climáticos se juntam: sol intenso, chuvas fortes e repentinas. Nas elevações montanhosas, entre as árvores, algumas extensões de terra se alagam, formando temporariamente profundos pântanos (ciénagas, em espanhol), armadilhas mortais para os animais da região de La ciénaga.

A noventa quilômetros de La ciénaga está o povoado de Rey muerto e, nas proximidades, o sítio La mandrágora, onde se cultivam pimentões vermelhos. Em La mandrágora fica a casa onde Mecha (Graciela Borges), uma mulher cinquentona com quatro filhos e o marido Gregorio (Martín Adjemián), passam as férias de verão.

Mecha trata de superar o falido casamento que tem enfrentando com Gregorio, usando-se do alcoolismo e de um tremendo desmazelo pessoal. Ambos se embriagam, mas ela, depressiva, corre o risco de terminar seus dias derrubada, fechada em seu quarto.

Sua prima, Tali (Mercedes Morán), que também vive em La ciénaga, enfrenta a vida de outra maneira: também tem quatro filhos, mas seu marido é amante do lar, da família e da caça.

Dois acidentes reunirão estas duas famílias no sítio, onde tratarão de sobreviver em um verão descomunal.

O devir da chuva é anunciado pelo som de trovão, as nuvens em seguida reiteram a tempestade. As crianças fazem a sesta dentro de casa, num ambiente quase escuro, enrolados em panos, deitados juntos, num imenso ócio, enquanto Mecha e seus convidados, embriagados de vinho, estão estirados em cadeiras de praias ao redor da piscina suja.

Ao som de trovões e do enegrecer do céu, eles se arrastam. Mecha quer que todos vão embora, recolhe as taças, cai bêbada e se corta, deixando cicatrizes que a acompanharão por todo o filme.

La ciénaga não é somente um nome expressivo para designar o entorno geográfico e climático que envolve a fazenda onde as duas famílias passam o verão, vai muito mais além disso, é uma excelente metáfora que compara esse ambiente corrompido e asfixiante, com a passividade, a falta de ação e de vontade, além do conformismo de seus protagonistas.

No início do filme surge uma vaca, submersa até a cabeça, em um lamaceiro provocado pela chuva; ela tenta sair de todos os modos, mas sua morte é praticamente inevitável. Logo após, aparecem os personagens do filme estirados ao sol em suas cadeiras, embriagados de tanto vinho; seus corpos inertes, abandonados à insensibilidade em pleno verão estão juntos de uma piscina completamente suja há dias. Esta comparação é um bom exemplo desse paralelismo que o filme propõe, com a diferença de que enquanto o animal luta para sobreviver, os humanos já não o fazem.

Por vários momentos, o vinho e o sangue se conjugam para acrescentar a atmosfera religiosa, presente graças à contínua aparição de uma Virgem, acompanhada pelas celebrações festivas e pelas crenças em lendas urbanas, o que estabelece as diferenças sociais e culturais presentes no filme.

Este longa-metragem da então iniciante Lucrecia Martel, é sobretudo uma excelente amostra da sociedade argentina - com seus preconceitos, crenças e diferentes submundos - e de um interessante recorte familiar afundado em sua própria e agonizante rotina. Um filme de esperanças e sonhos frustrados que se ofuscam diante da luz, um filme que trata definitivamente o tédio existencial.

No entanto, a nível individual e narrativo é onde sua precisão descritiva e de análise é um pouco pobre. Construído a base de fragmentos da vida cotidiana entrelaçados, o filme deixa de lado o contorno das histórias e nos oferece personagens enigmáticos em seus perfis e nas relações que os unem.

Essa fuga do habitual é, portanto, um dos principais defeitos da história. Em primeiro lugar porque não existe uma história a ser contada, mas sim uma série de sub-tramas diluídas que afluem ao mesmo lugar. Em segundo, porque esta preguiça exposta não acaba de esclarecer completamente todas as situações; gera uma certa ambiguidade, e faz com que o espectador fique com a sensação de que foi lhe mostrado muito pouco, e não acaba de compreender o que estão tentando dizer.

A trilha sonora é pontuada de barulhos incômodos como cadeiras se arrastando, crianças berrando, o telefone que ninguém nunca atende, a televisão eternamente ligada e o gelo tilintando nos copos. Os personagens se tocam o tempo todo e mesmo assim há uma clara repressão incestuosa no ar. Poderíamos dizer que tudo isso é também uma alusão à burguesia argentina.

De fato, La ciénaga não conta uma história tradicional, mostra um mundo de sensações que constroi uma grande metáfora com pequenas metáforas, é um mundo sufocante e que realmente tem a capacidade e a intenção de prender.

O longa recebeu o prêmio Alfred Bauer, no Festival de Berlim, além de quatro prêmios no Festival de Havana entre eles o de Melhor Atriz, Melhor Diretor, Melhor Som, Prêmio Gran Coral.
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