segunda-feira, 19 de julho de 2010

A telenovela brasileira e seus temas polêmicos

Há quem diga que as telenovelas influenciam o comportamento das pessoas, e a quem diga que isso é balela. O que se sabe com certeza, e até já foi comprovado por pesquisas universitárias, é que o produto cultural mais popular do país tem um poder impressionante para pautar debates sobre questões políticas e da intimidade do brasileiro.
Realista obstinado, Manoel Carlos, não abre mão de construir seus enredos com base em assuntos polêmicos, que fornecem material infindável para bate-papos no cafezinho do escritório ou à mesa de jantar.

O autor foi o criador de dois expressivos sucessos da teledramaturgia brasileira: Laços de família e Mulheres apaixonadas exibidas em 2001 e 2003, respectivamente. Ambas abordaram temas polêmicos, mas sempre pertencentes ao cotidiano das pessoas.

O realismo de Manoel Carlos tem balizas definidas. Sua mira não está voltada para grandes questões sociais, como miséria, violência urbana ou corrupção. A inclinação de Manoel Cartas é muito mais pelo que se poderia chamar de realismo familiar ou doméstico - e aí ele percorre todos os cômodos da casa, do quarto à área de serviço.

As famílias enfocadas são de classe média ou de classe média alta e circulam por um ambiente que o autor conhece bem: a Zona Sul do Rio de Janeiro. Não se pode dizer que personagens saídos dessa classe social e, mais ainda, desse microcosmo carioca representem o grosso da população brasileira, mas há óbvias vantagens novelísticas em lidar com eles. Situações que perturbariam muitos espectadores se ocorressem na casa de seu vizinho são encaradas com a maior naturalidade porque acontecem naquele ambiente liberal retratado por Manoel Carlos.

Em Laços de família, entre as polêmicas retratadas nas diversas histórias encenadas, apareceu a problemática da prostituição, vivida pela personagem Capitu, a primeira prostituta de família a aparecer na história das telenovelas.

Manoel Carlos encomendou uma pesquisa sobre prostitutas de alto nível para mostrar o assunto com maior realismo possível e verificou que a maior parte delas cursam universidade, ganham bem e são mães solteiras. Para trabalhar o assunto na telenovela, o autor recorreu a artifícios que tornassem a história interessante e simpática aos olhos do público.

No início, Capitu parecia ser uma moça fútil, que se prostituía para comprar roupas de grife e frequentar restaurantes caros. Como isso causava certa desconfiança em relação à personagem, o autor a transformou em uma mulher capaz de sacrificar-se em favor do filho pequeno e dos pais idosos.

Outros temas polêmicos discutidos por Manoel Carlos, na novela Laços de família foram a leucemia (transplante de medula, compatibilidade do doador); impotência sexual; câncer de próstata; machismo; relacionamento amoroso entre pessoas com grande diferença de idade; mães extremadas que renunciam um grande amor pela felicidade de sua filha, entre outros.

E na telenovela Mulheres apaixonadas, o teor picante e atrativo da produção foi garantido por assuntos como a violência doméstica contra a mulher; as consequências do ciúme exagerado em um relacionamento amoroso; o preconceito contra velhos; o alcoolismo vivido por uma professora de ensino médio; o lesbianismo entre adolescentes; as consequências da traição; o misticismo ou premonição vividos por uma criança que pressentia fatos do futuro; o celibato clerical, entre outros.

Mulheres apaixonadas, por exemplo, conseguiu uma proeza: pela primeira vez, um caso de relacionamento lésbico foi retratado numa telenovela sem causar rejeição do público. Na última ocasião em que algo do gênero foi tentado, em Torre de Babel, de 1998, as lésbicas tiveram de ser arrancadas da trama às pressas na explosão de um shopping center.

Uma das chaves para a aceitação do romance entre Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli) é que, além de dar-se entre adolescentes - há uma certa tolerância social para com os dilemas enfrentados por pessoas nessa faixa etária -, ele acontecia numa escola ultraprogressista, onde ninguém as rejeitava nem recriminava.

A abordagem desse tema de forma tão aberta foi possível, também, pelas transformações vividas pela sociedade brasileira nos últimos anos, com o aumento de campanhas realizadas por homossexuais contra o preconceito e pela divulgação, por parte da mídia, do assunto como um fenômeno real que merece a tenção e respeito em sua análise, o que gerou uma mudança de valores por parte das pessoas.

Verifica-se aqui um importante papel dessas telenovelas ao buscarem apresentar temáticas polêmicas de uma forma reflexiva e educativa, objetivando destruir preconceitos e informar, principalmente, os mais carentes de educação e de participação em debates ou discussões sobre tais temas.

Já a telenovela Senhora do destino, exibida em 2005, atingiu 45 milhões de brasileiros ou 80% dos televisores ligados no horário de sua transmissão. Tal proeza foi conquistada pelo enfoque em temas como a corrupção na política; lesbianismo liberado e adoção de crianças por parte de casais homossexuais; a relação de familiares com uma vítima da doença de Alzheimer; violência doméstica; e gravidez na adolescência, entre outros.

Portanto, o tratamento de temas delicados é recorrente nas telenovelas, no Brasil, influenciando os pensamentos e opiniões da população e a fazendo refletir e encarar as diferenças ou o "mundo do outro" a partir de uma mentalidade cultural mais aberta difundida na televisão.
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