quinta-feira, 15 de abril de 2010

Telenovela: Um olhar do cinema

Muitos acreditam que cinema e televisão são mídias com linguagens muito diferentes, outros dizem que são formas de contar uma boa história. Pensando no assunto, o cineasta José Roberto Sadek escreveu o livro Telenovela – Uma olhar do cinema, onde analisa as telenovelas sob a ótica do cinema, mostrando aspectos das duas modalidades, comparando estratégias e revelando a estrutura dramática que faz da telenovela um fenômeno único.

Quem nunca se encantou por uma telenovela e passou meses e meses acompanhando sua evolução até o desfecho? As tramas e seus personagens inesquecíveis atraem milhões de pessoas para frente da televisão todos os dias. Mas o que justifica esse interesse inabalável, que sobrevive há tanto tempo, mesmo diante de tantas alternativas de entretenimento? A resposta é simples: o antigo prazer de ouvir uma boa história. E a telenovela, segundo Sadek, nada mais é do que uma maneira moderna de contar histórias.

No livro, o cineasta apresenta um trabalho inédito: ele discorre sobre o surgimento dessa modalidade, compara sua estrutura dramática com a do cinema e mostra ângulos pouco conhecidos desse fenômeno de massa da cultura brasileira.

Com base em estudos consagrados sobre as narrativas do cinema clássico, o autor expõe peculiaridades das telenovelas, por exemplo: a correção de rumo durante a produção e os andamentos das tramas; o uso de critérios não-dramáticos, como razões industriais e de mídia, na divisão dos capítulos; e a produção de várias tramas encadeadas e independentes, que constituem um zapping sem mudar de canal. Para corroborar sua tese, ele compara produções marcantes, como O bem-amado, Belíssima e Paraíso tropical, bem como os filmes O cangaceiro, Carandiru e Cidade de Deus, revelando alguns de seus segredos.

Sadek explica que olhar a telenovela com base em paradigmas cinematográficos permite perceber nela características de linguagem atípicas no conjunto dos dramas encenados. Muito dessa originalidade vem da raiz folhetinesca e das histórias contadas em parcelas, das quais As mil e um noites parecem ser a matriz inicial.

Por outro lado, segundo o autor, a telenovela, por ser audiovisual, não se adapta integralmente à sua raiz literária. Em vez disso, agrega condicionantes de produção e de mídia, como o grande peso das emissoras, a influência dos índices de audiência e a atuação dos anunciantes sobre temas e personagens, que não são elementos dramáticos, mas têm participação decisiva no novo padrão de linguagem.

Lembrando que na telenovela se valoriza mais o percurso da história do que a construção dramática, Sadek afirma que outro fator importante, e para o qual uma vertente do cinema contemporâneo está muito atenta, é a evidente mudança de comportamento do espectador, que tem repertório dramático e emocional amplo como jamais foi visto antes da TV, que se acostuma a fazer várias coisas ao mesmo tempo, que zapeia e é capaz de seguir várias histórias concomitantemente e que precisa, cada vez mais, de ações que chamem sua atenção.

Para Sadek, esses componentes foram interferindo e sendo assimilados ao longo dos anos da história das telenovelas. Dessa forma, “amadureceu um paradigma diferente dos anteriores” – do livro, do folhetim, do rádio, do cinema e até da Internet. Por isso, no caso das telenovelas, não há um padrão anterior, mas narrativas sobre as quais elas se apoiaram, e, considerando muitos outros fatores e influências, foram criando e evoluindo seu modo peculiar de contar as histórias.

Sadek esclarece, ainda, que milhões de pessoas alteram seus compromissos para ver as telenovelas, outras organizam suas agendas para estar em frente à TV em determinada hora, e não é por solidariedade teórica ou estética a determinado modelo narrativo. Trata-se de um fenômeno de que dá graça à vida, que proporciona momentos de prazer e de emoção, que permite viver situações que o cotidiano jamais permitiria. Esses novos paradigmas de contar histórias têm simplesmente a única, complexa e delicada intenção de agradar a essa multidão todos os dias.

Ao tratar do cinema e da telenovela com profundidade teórica e abundância de exemplos práticos, José Roberto Sadek vai muito além do óbvio e nos ensina a entender as diferenças e semelhanças de formas narrativas que, a despeito da origem comum, são particularizadas pelos distintos suportes tecnológicos e as respectivas formas de recepção que esses suportes determinam. O olhar cinematográfico que Sadek lança sobre a telenovela serve, também, para nos ajudar a entender o próprio cinema, afirma Bráulio Mantovani, roteirista de cinema, responsável pelo roteiro de Cidade de Deus e Tropa de Elite, que assina o prefácio do livro.

José Roberto Sadek graduou-se na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie. Fez especialização na Tisch School for the Arts, Universidade de Nova York, com uma bolsa Fulbright. É mestre e doutor em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Trabalhou como diretor de fotografia em filmes e programas de TV, e depois passou a atuar como diretor de filmes. Diretor da TV Educativa do Ministério da Educação (TV Escola) por quatro anos, escreveu algumas séries de programas e foi diretor-geral de dezenas delas. Ex-consultor do Banco Mundial, passou pela TV Cultura e pela Fundação Roberto Marinho e foi superintendente do Instituto Itaú Cultural, além de consultor de projetos de Educação para Sebrae, Sesi e CNI. É secretário-adjunto da Cultura da cidade de São Paulo desde 2004.
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