sábado, 12 de junho de 2010

A telenovela como paradigma ficcional da América Latina

Apresento aqui um texto editado com base no original de Mauro Alencar, que é mestre e doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela USP. Colaborou em livros que abordam o universo da telenovela e com frequência escreve artigos sobre o tema. É consultor e pesquisador da Rede Globo há mais de quinze anos e ministra aulas de teledramaturgia nas oficinas de ator, autor, produção e direção da emissora. Em seus trabalhos com a telenovela conheceu emissoras como a Telemundo (Miami), Televisa (México) e o ICRT (Cuba), além de ter prestado assessoria para as maiores emissoras de televisão do Chile.

A narrativa teledramatúrgica por capítulos interligados, mas interrompidos em sua ação com suspense ou gancho é até hoje a chave para a montagem das grades de programação de quase todas ou das principais emissoras latino-americanas. Pontos em comum, qualidades conceituais que, apesar das diferenças de cada povo, poderiam eleger a telenovela como paradigma ficcional da América Latina. Qualquer empresa de televisão que queira firmar-se no mercado audiovisual, necessita obrigatoriamente produzir uma ou mais novelas.

Definido como uma perspectiva, ou quadro de referência de ver o mundo, constituído de um conjunto de conceitos, teorias, métodos, problemas de pesquisa, o paradigma consiste numa verdadeira janela mental através da qual um pesquisador ou um autor vê o mundo. Ou se quisermos simplificar, o paradigma pode ser descrito como "a formação de qualidades conceituais".

A década de 1990 foi marcada por um avanço tecnológico muito grande de países da América Latina. E foi nesse período que começou a ocorrer um entrelaçamento de várias telenovelas pelo mundo, em particular nas Américas.

Mauro Alencar conclui em seu texto que o mundo aprendeu a fazer novela via TV Globo, ainda que seja indiscutível a qualidade técnica da produção brasileira. Ele afirma isso com base em sua experiência de trabalhos na Rede Globo (inclusive na Divisão Internacional), em assessoria para as duas maiores emissoras de televisão do Chile (Nacional e Univesidad Católica), além de conhecer o processo de produção de emissoras tão distintas quanto a Televisa (México), Telefe (Argentina) e ICRT (Instituto Cubano de Rádio y Televisión).

A televisão brasileira começou a comprar textos de telenovelas de outros países, como Argentina e Cuba, na década de 1960 para formar a base de sua teledramaturgia, foi somente na década de 1970, tendo como base os temas do cotidiano de nosso povo, como futebol, jogo do bicho e a feira livre que a telenovela abrasileirou-se totalmente.

Neste momento a TV brasileira começava a entrar no período de grandes produções. Abandonava, assim, aquele esquema que tanto a alimentara nos primórdios de sua criação quanto à ficção da chamada "Era Magadan" e passava a produzir uma teledramaturgia com contornos cada vez mais brasileiros, com uma linguagem cada dia mais televisiva (cenários, enquadramento de câmeras, texto, abertura e trilha sonora, interpretação e direção de atores, etc.).

Incomparável em sua estrutura ficcional, a Central Globo de Novelas começou a apresentar a partir do início da década de 70 capítulos ficcionais que para o bom ou médio apreciador das histórias parceladas, não havia melhor. Foi assim que "varreu-se" na emissora o estilo ditado pela cubana Glória Magadan, com seus condes, duques e dramas de sheik, para conhecermos um universo genuinamente nacional.

Na década seguinte, enquanto o Brasil, via TV Globo, impulsionava as vendas de nossas novelas, levando para o mundo a história do Brasil e suas belezas naturais, Silvio Santos começava a ampliar o jogo ficcional com sucessos mexicanos.

Em seguida, em 1990, o cenário mundial, mais precisamente o latino já era outro. O México ampliava a qualidade de oferta de suas novelas, a Venezuela produzia com requinte, e a Colômbia partia para tramas com toques de realismo mágico no melhor estilo da literatura latino-americana. O Chile incrementava a compra de know-how brasileiro com textos de novelistas brasileiros e buscava na produção da Globo o modelo para suas novelas. Cuba também se baseava em telenovelas brasileiras, com cenários a céu aberto, para produzir suas tramas.

Ao terminar a década de 1990, mais precisamente entre 1999 e 2000, a história da telenovela latina já poderia ser contada a partir de duas grandes fontes: a mexicana e a brasileira. E as duas, somadas às produções de outros países latino-americanos, já estavam espalhadas pelo mundo afora. Além disso, a América Latina já havia sedimentado sua base ficcional por meio da telenovela – que se transformou num paradigma ficcional, ou seja, a própria identificação de uma comunidade científica na escolha de seus problemas de pesquisa, orientação teórica, análise e avaliação. Resumindo, o paradigma pode ser definido como uma maneira de enxergar a realidade pelo prisma de um exemplo estabelecido. Enxergar tanto com os olhos do pesquisador quanto com os olhos do autor.

Assim, a proposta de Mauro Alencar é explicitar a maneira de enxergar a realidade que se formou na produção telenovelística brasileira, que veio a se fixar como padrão referencial para toda a América Latina.

Há, entretanto, um fator que unifica as telenovelas por toda a América Latina: o número de capítulos. Em geral, uma novela é exportada apenas com o eixo central da história, ou seja, "enxuga-se" as tramas paralelas e as extremamente localistas, de interesse exclusivamente brasileiro, pois o público estrangeiro não tem o hábito de acompanhar uma história em capítulos por tanto tempo. Esse fator é determinado pela escola mexicana de teledramaturgia.

Mantendo sua base no folhetim e melodrama, a exemplo de Os ricos também choram, e buscando caminhos mais realistas, como Nada personal, dificilmente a novela mexicana estende-se por mais de 150 capítulos, o que faz com que também se note a influência da teledramaturgia mexicana, o que prova a eternidade do folhetim e do melodrama como base para tornar a telenovela um paradigma ficcional na América Latina.
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