A TV Brasil exibe neste domingo, 13 de junho, às 23h00, Um céu de estrelas, o segundo filme brasileiro a ser emitido na atração Cine Ibermédia, que desde 14 de março vem apresentando semanalmente os filmes ibero-americanos selecionados para apresentação nas emissoras públicas afiliadas ao Programa Ibermedia.
Um céu de estrelas, filmado em 1996 com pouco recurso, foi dirigido por Tata Amaral, com roteiro de Jean-Claude Bernardet e Roberto Moreira, sendo uma adaptação livre do livro homônimo de Fernando Bonassi. O filme narra, em 80 minutos, a jornada de uma personagem feminina, uma cabeleireira chamada Dalva (Leona Cavalli), que vive no bairro paulistano da Mooca, num humilde sobrado, em companhia da mãe, uma viúva chamada Dona Lourdes (Néa Simões).
Premiada com uma viagem para Miami em um concurso de penteados, Dalva vê no prêmio a sua chance de mudar de bairro, de cidade e de vida, no entanto, ainda não sabe como contar a novidade para a mãe. Ela arruma as suas malas para partir no dia seguinte. Porém, há a visita inesperada de seu ex-namorado Vítor (Paulo Vespúcio Garcia), disposto a reatar o relacionamento de dez anos. Uma vez dentro da casa, o rapaz passa a agir de modo agressivo, como se aquela fosse a última oportunidade de reconquistá-la, mesmo que à força.
A casa onde vive Dalva se torna o palco de uma tragédia, desencadeada por sua intransigência e pela teimosia de Vitor. Na verdade, nenhum deles têm culpa de nada. Dalva não pode renunciar ao seu sonho de ir a Miami e Vitor não pode renunciar à paixão. Estão ambos condenados.
Vítor tenta seduzir e convencer Dalva que ele está diferente. Conta que pediu demissão de seu emprego e, portanto, pode viajar com ela. Mas Dalva recusa. A mãe chega na casa e acalora a discussão. Vítor tranca as portas da casa e mata Dona Lourdes. Com os sons dos tiros a casa é cercada pela polícia e por uma reportagem de televisão. Entretanto, as resoluções do conflito ocorrem dentro da casa e pelas próprias mãos da personagem protagonista feminina, ao matar Vítor.
O longa de Tata Amaral é um filme de orçamento baixo - cerca de U$ 380 mil - e de ação claustrofóbica, cerrada no cenário único de uma casa da classe baixa paulistana. Foi consenso entre a crítica que orçamento tão baixo só foi possível por se ter encontrado uma história adequada a esse padrão.
Mas este padrão, este orçamento considerado baixo, que tantas vezes desembocou em produções de ficção barata - e ficção aqui não é sinônimo de ficção científica, mas representa toda produção de imaginação, de criação, isto é, qualquer filme não documental - no filme de Tata Amaral significa também uma sintonia com a realidade circundante.
O filme torna de novo transparente a vidraça. Mostra um Brasil que o Brasil esquecia, ou tentava esquecer, na época. Esquecia tentando afogá-lo na euforia dos tempos de real, de moeda forte, de equiparação no valor com o dólar. Um céu de estrelas mostra, justamente, que os que imaginamos excluídos estão na verdade incluídos no nosso cotidiano. De novo, temos um filme perturbador, corajoso, que mostra que a ficção pode abrir possibilidades de questionamento ao existente, que o virtual pode arguir o real.
No ano de seu lançamento, Um céu de estrelas recebeu os troféus Candango, no Festival de Cinema de Brasília; e APCA, da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Foi premiado nos festivais Biarritz e Cretéil, na França; Boston, nos EUA; Havana, em Cuba; Trieste, na Itália. E ainda rendeu à Leona Cavalli, diversos prêmios de melhor atriz no Brasil e no exterior.
De maneira geral, pode-se dizer que Um céu de estrelas é um filme de extrema coerência, com belas resoluções cênicas realizadas por meio de uma particular manipulação de câmera e direção de atores. O filme tem sido apontado como um dos principais destaques do que se convencionou chamar de “renascimento” ou "retomada" do cinema brasileiro.
A dramaturgia narrativa e visual presente em Um céu de estrelas é tensa e busca grudar o espectador nos atos contraditórios das personagens e no próprio desenrolar do drama, que mescla violência e erotismo. Com relevantes traços poéticos, realizados em uma época desacreditada de produzir algo de novo e de original esteticamente, este filme demonstra uma ousada interação entre narrativa e elaboração plástica da imagem, a partir do trabalho de direção que traz uma exploração da relação da câmera com os atores e detalhes da cenografia.
A câmera atua no filme observando de perto os acontecimentos, parece ficar grudada nos personagens, perde o foco quando estes estão desorientados, explora o cenário e mostra detalhes íntimos das personagens com desenvoltura, sem condená-los ou mesmo justificar suas ações, mas simplesmente com uma postura de mostrá-los com um olhar de dignidade.
Muito dessa paixão radical vem do roteiro. Muito mais vem da realização corajosa, da câmera inquieta, incômoda, que acompanha um casal de atores em estado de graça. Leona e Paulo Vespúcio tiveram, neste filme, seu trabalho mais feliz e também seu batismo de fogo, suportando cenas de dura sensualidade e terna violência. O filme é tributário dessa entrega do elenco e não apenas do par central. Algumas das cenas mais perturbadoras são vividas pela mãe de Dalva (Néa Simões) que chega em casa e encontra o casal no início da briga.
Numa das melhores, mas também mais duras sequências do cinema brasileiro, a mãe, trancada no banheiro, reza compulsivamente, enquanto lá fora o casal prossegue seu caminho de destruição mútua. Sem ser diretamente político, Um céu de estrelas contempla em sua dramaturgia todo o espectro do impasse social brasileiro. Está nele o sonho de uma personagem com a suposta terra da promissão e também o desespero de outro com sua falta de horizontes. Está ali o medo da mãe, que nada compreende, e a cegueira da televisão, que entra no final do jogo e registra apenas a superfície da tragédia, passando-a ao público como drama de consumo.
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- Amanhã é Para Sempre (SBT)
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domingo, 13 de junho de 2010
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