sábado, 1 de maio de 2010

As telenovelas e o comportamento dos brasileiros

Há décadas as telenovelas têm sido classificadas como um produto de entretenimento de pouco ou nenhum valor cultural e, até mesmo, de serem prejudiciais aos seus telespectadores. Vários fatores políticos e estéticos sustentam essa análise e alimentam o preconceito intelectual contra as telenovelas, mesmo quando são escritas por respeitados dramaturgos.

Desde o final dos anos 80, no entanto, emergiu uma nova visão sobre elas. Num momento, em que a produção das teledramaturgias atingia seu melhor momento criativo e de audiência, elas passam a ser observadas sob novas perspectivas por alguns pesquisadores. Para eles, as telenovelas constituíram-se como um gênero que dialoga com o público e que não necessariamente impõe uma visão de mundo. Sob esse olhar, os seus espectadores participam efetivamente da construção de sentidos que as teledramaturgias trazem.

Apesar de extensas e sujeitas a várias interferências, da emissora, dos patrocinadores, da sociedade civil, as telenovelas no Brasil são obras autorais. Ao longo das décadas, muitos dos seus escritores e diretores têm se engajado em levar por meio das tramas desenvolvidas ideias e valores progressistas à população. Numa espécie de merchandising social, questões como gravidez indesejada e na adolescência; AIDS e o uso de preservativos; formas de relacionamento sexual mais abertas e flexíveis; as consequências do alcoolismo; o drama das crianças desaparecidas e a problemática agrária no Brasil têm sido colocadas e gerado discussões e reflexões nas diferentes classes sociais e regiões do país.

Nesse sentido, estudos do Banco Inter-americano de Desenvolvimento mostram que as telenovelas têm influenciado o comportamento dos brasileiros a longo prazo. As variações na taxa de natalidade e no número de divórcios no país nas últimas décadas, por exemplo, podem ter como uma de suas várias causas o modelo das famílias retratadas nas novelas televisivas. Ao apresentarem núcleos familiares com poucos filhos e homens e mulheres, que mesmo separados ou divorciados, levam uma vida feliz, as novelas estabelecem referências de comportamento que, segundo esses estudos, influenciam os seus telespectadores.

Um dos fatores que contribuem para essa influência é que desde os anos 70 as telenovelas brasileiras tornaram-se mais realistas, distanciando-se do exagero melodramático que as caracterizavam até então. Em seu estudo sobre o fenômeno, no livro “Telenovela, consumo e gênero”, a antropóloga Heloísa Buarque de Almeida mostra que os telespectadores reagem criticamente aos conteúdos das novelas principalmente em relação aos temas políticos, morais – destacadamente em questões relativas à sexualidade – e quanto à promoção do consumo feita pelo gênero.

Na obra “Vivendo com a Telenovela”, as pesquisadoras Maria Immacolata Lopes, Sílvia Borelli e Vera Resende afirmam que a telenovela, a partir dos personagens que inserem no cotidiano de seus espectadores, coloca modelos de comportamento que servem para o debate, a interpretação, a crítica, a projeção ou a rejeição dos telespectadores. Assim, os temas propostos pelas novelas – sejam políticos, como uma crítica ao Populismo e ao coronelismo, ou morais, como o machismo – passam a ser considerados de interesse público.

Em 1975, a Globo levou ao ar o capítulo inicial de Pecado Capital, novela de Janete Clair escrita às pressas para substituir Roque Santeiro, que havia sido censurada. Nele, está uma das sequências mais antológicas das telenovelas. Após um assalto a banco no Rio de Janeiro, os bandidos embarcam num táxi dirigido por Carlão (interpretado por Francisco Cuoco) e acabam esquecendo no interior do veículo uma mala com o dinheiro roubado. A partir daí se constrói todo o dilema moral e a dubiedade do caráter do taxista que estarão no centro da trama ao longo dos 167 capítulos da novela.

Outro momento marcante das telenovelas é uma das inúmeras cenas de pastelão envolvendo os atores Paulo Autran e Fernanda Montenegro na novela Guerra dos sexos, escrita por Sílvio de Abreu e que foi ao ar entre junho de 1983 e janeiro de 1984 pela Rede Globo. Os personagens Bimbo e Charlô, primos obrigados a conviver sob o mesmo teto por conta de uma herança, discutem e iniciam uma hilária guerra de guloseimas durante o café da manhã.

O dramaturgo Dias Gomes escreveu algumas das melhores telenovelas brasileiras, como Roque Santeiro, O bem amado e Sinal de alerta. Entre os inúmeros personagens inesquecíveis que criou estão os da novela Saramandaia, que foi ao ar de maio a dezembro de 1976 na Globo. Dias Gomes explora o realismo fantástico no gênero ao introduzir na estranha cidade de Bole-Bole, no sertão nordestino, tipos prá lá de surreais. Entre eles, João Gibão, que esconde sob as roupas asas como as de um anjo, Zico Rosado, que solta formigas pelo nariz, Marcina, uma moça que quando fica excitada vira uma brasa ambulante, e um professor que vira lobisomem e não dorme.

Em 1990, a Rede Manchete de Televisão abalou a hegemonia da Globo ao lançar a novela Pantanal, escrita por Benedito Ruy Barbosa. Os cenários naturais da região do pantanal mato-grossense, a fauna e flora surpreendentes, cenas sensuais, que incluíram nu frontal de uma das protagonistas, fizeram com que a novela atingisse elevados índices de audiência. Pela primeira vez, a beleza natural da região pantaneira era divulgada em horário nobre para todo o Brasil.

Mas, definitivamente, um dos momentos mais marcantes da história das telenovelas é uma das cenas de Vale tudo, de Gilberto Braga, que foi ao ar entre maio de 1988 e janeiro de 1989 pela Rede Globo. Na história, que teve no final o suspense sobre quem matou Odete Roitman, a discussão sobre se a honestidade vale a pena ou não no Brasil tem um momento antológico quando o corrupto e golpista empresário Marco Aurélio, interpretado pelo ator Reginaldo Faria, ao fugir do país manda uma banana para todos. Nada mais emblemático de ser retratado no gênero de maior popularidade no país.

Produto cultural nacional bem-sucedido dentro e fora do Brasil, as novelas ainda são alvo do preconceito intelectual. Nas últimas décadas, no entanto, abriu-se espaço no meio acadêmico para estudos e pesquisas sobre o fenômeno de forma a vê-lo com olhos mais favoráveis. Mas, independente da opinião de seus críticos e estudiosos e dos altos e baixos nos seus índices de audiência, elas se tornaram um dos entretenimentos prediletos dos brasileiros.
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